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Poesias com vídeo clipe

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recitada por  Adaury Farias

Pérola com íris avelã

Para Elise, minha neta, escrito antes da pandemia de covid-19

Criada pelo destino com muito cuidado e muito esmero, Linda e delicada com se fosse uma pérola mesmo. Depois de rir, de brincar e espalhar carinho, Salta pro colo da vó e se aconchega bem de mansinho. Ali relaxa e se entrega ao sono profundo. A imagem do sorriso, naquele rostinho lindo, Revela que aquele colo é o melhor lugar do mundo. Depois, dormindo entre travesseiros, parece sonhar... Parece uma modelo saída das telas de Renoir. De manhã, os raios fúlgidos do sol, Que invadem a janela num clarão de ciúme fugaz, Flagram nós três agarradinhos sob o lençol. E então ela desperta com um sorriso sagaz Atenta à saudação que lhe fazem os bem-te-vis e sabiás. Seus olhinhos ao se abrirem, com suas íris avelã, Iluminam nossa manhã com encanto e alegria, Cativando nossos corações ao acordar sorrindo, Contagiando com graça e amor outro dia de domingo.

Enxertia de maria-fecha-porta no pé de jurubeba

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recitada por  Mary Góes

Enxertia de maria-fecha-porta no pé de jurubeba

Folhas largas e parrudas Espinhos grandes, pontiagudos. Frutos vermelhos de suave sabor,  Enchem o pote com doce licor. Baladeira? Estilingue? Tira de lá uma forquilha! Guardiãs do cavalo, formigas de fogo, Defendem a planta como num jogo. Imponentes, em posição defensiva, Como dois baluartes, pés de bravas urtigas. Com pelos coçantes são boas de briga. E se livram do golpe de forma evasiva. Um pouco distante e cheia de flores, Mimosa, com folhas de alarme. Maria-fecha-porta se enche de charme. Ansiosa, nem sabe que é a bola da vez, Do lacônico transplante de fundo transgênico. Não há mais espaço pra duas grandezas. Urtiga se arvora em tom de defesa: - Ah, isso !?  Isso é só um galho mixo, mirrado e tão peba.... Facão afiado, barbante apertado. Tá feito! Enxertia de Maria-fecha-porta no pé de jurubeba

Curta caminhada

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recitada por  Adaury Farias

Curta caminhada

Lá pelos meus dez anos de idade, turrão à beça, Ai do colega que me apelidasse! Partia pra luta, era tapa, chute e palavrão. A briga durava até que alguém nos separasse.  Puto da vida corria pra longe e ficava com cara de mal.  Depois, na bola de rua, tudo voltava ao normal. Lá pelos vinte, eu era dono do mundo.  O iluminado. Eu era o escolhido!  Eu sabia de tudo! O resto? Era só pano de fundo. Segui assim, achando que havia crescido. Aos trancos consegui chegar aos quarenta.  O tempo passou como um corisco petulante Que nem vi minha largura ficar tão grande.  No mais, tudo igual ao que era antes. Agora, aos sessenta, devia ser resiliente, Deixar tudo por menos, ser menos valente, Me passar por trouxa e até fazer cara de palhaço. Mas não aguento atitudes que me enchem o saco.  Foda-se! Não é agora que vou levar desaforo pra casa. A caminhada foi longa e ainda não estou fraco. Falou merda, chuto logo o pau da barraca. Quando, ou se, chegar aos oitenta, sem Alzheimer,  Vou continuar contando sempre que puder,  Sem falsa modéstia, remorso ou culpa guardada, Que valeu cada sorriso, cada abraço E cada porrada nessa curta caminhada.

Dois mundos

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recitada por  Osvaldo Simões

Dois mundos

Em um só mundo, duas verdades distintas,  - Uma que esbanja, se exibe e posa de boa pinta.  - Outra que sofre, murmura e carrega o peso do mundo. É delírio e horror tanta ilusão sob o mesmo céu. - É delírio porque no fundo tudo é esplêndido e lindo. - É horror porque estamos todos no mesmo bordel. Apenas uma coisa será real: Todos teremos o mesmo final.

Espírito de porco

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recitada por  Adaury Farias

Espírito de porco

No alto do morro, um ronco estranho. Um espírito louco emana do vento, Atravessa os sonhos e o frio da noite. Sombra negra de olhar vermelho,  Transforma o sossego em agitada misura. Na noite escura sai a esmo e à sorte. Assusta os namorados atrás dos postes, Os moleques, atrás das moitas. Nas casas humildes, virgens beatas Se excitam com o gemido erótico. Apavora o prefeito neurótico, ainda acordado,  Contando dinheiro às três da manhã. Esposas abandonadas nele se enroscam. O assaltante se esconde atrás do sobrado. A cidade se espanta e aos poucos se amansa. A madrugada termina e o ronco se esvai. No alto do morro, na passagem secreta, Adentra a sombra pela porta da frente, Pela porta dos fundos outra sombra se vai. O espírito louco assombra a cidade Das mentes ociosas na noite vazia. Relaxado se deita ao lado da companheira  Já satisfeita pelo outro que pelo fundo saia. O espírito de porco perturba os outros, Carrega consigo o fel da maldade. Descansa pensando que está livre de tudo.  Também é vítima da própria iniquidade.

Pororoca

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recitada por  Eury Farias

Pororoca

Nem faz tanto tempo assim ... Pirarucus, curupetés, curimatãs, tucunarés... Saltavam, batiam n´água Como quem diz: Tô aqui! Tô aqui! Num urro medonho a onda se impunha: Barrenta, gigante, violenta...  Pororoca assombrava, desbarrancava tudo à sua frente. Virava casa, virava casco, virava barco, virava lenda. Há pouco, tempo nas ondas fracas...  Garrafas pet, marmitex, caixinhas tetra pak... Branquinhas, acarás, tralhotos, matupiris... Pororoca mansinha, fazia onda pros surfistas e jet skis. Hoje, barragens, “bufaladas”, matriz energética,  Risco iminente, lucro cessante, hidrelétricas... Pirarucus, curupetés, curimatãs, tucunarés... Branquinhas, acarás, tralhotos e matupiris... Se bronzeando de peito pra cima  Na superfície fria da água barrenta, No leito largo de baixo calado do indigente rio.   Pororoca já meteu medo.  Virou casco, virou festa, festival, virou lenda!  Virou lenda... Sumiu!

Indelével matiz

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recitada por  Leury Farias

Indelével matiz

Havia um canto alegre entre tocas e buritis. Num galho um canário... noutro uma guariba a guinchar... Na terra, no pé da árvore, um pequeno e lento jabuti. Mais adiante, no igarapé, mais um destino a encontrar. Havia mais que a simples melodia! Havia uma espera de tocaia urdida. Vida livre na natureza exuberante  Cenário perfeito de seres tranquilos. Impróprio para seres pensantes Vindo de tão longe, tão distante ... Caminhos tão diferentes, tão errantes ... Busca incessante a persegui-los Desliza a canoa entre os aguapés. O estalo do disparo vem de lá do igarapé! Canário muda pra outro galho qualquer. O resto do dia nem um pio sequer. Quedou-se a guariba por terra abatida No ajunte, também foi o jabuti. Na outra margem, outra linha do destino. Imagem bizarra gravada na mente, indelével matiz, Mudo, sem poder mudar o caminho. Restou um silêncio absurdo entre tocas e buritis.

Varal de arame e ripa

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recitada por José Nazaré

Varal de arame e ripa

Que ressaca!  Cabeça pesando mais que o corpo. E toma chá de mato!  Erva cidreira, carqueja e até de boldo. O sol ainda dorme.  Ombro encostado no batente, Olhar perdido pela ressaca ardente, Encontra, em meio à penumbra,  Frente ao jirau de morototó, Aquela mulher forte, guerreira. Sagica e que já fez a feira! A fumaça do cachimbo,  Com tabaco de corda, a transforma. Cutelo afiado em golpes certeiros,  Em pequenos pedaços divide o mocotó. Ao lado, em cima do mocho,  uma boa pesada de bucho com tripa. Uma penca de filhos, que ainda dorme,  tem de se alimentar.  Depois, com ferro a carvão,  tem uma ruma de roupa pra passar, Que ainda tá ali, no sereno,  sobre o varal de arame e ripa. No batente, o filho devagar se movimenta, A cena a incomoda, então ela pergunta:  - O que tu faz aí com esse olhar de espiar pica? A ressaca se desfaz e rapidamente ele retruca: - Espiar pica? Isso não lhe invejo!   E também não sei o que é isso de verdade.   Neste momento só o que vejo,    É a força de sua responsabilidade!

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